Lá do outro lado

Ou sobre os dramas desnecessários que a hiperconectividade causa.
Tuuu... Tuuu... 

O barulho da chamada me atordoa. Ao terceiro toque ele já teria me atendido, devaneio, enquanto o som persiste na linha telefônica. 

Tuuu... Tuuu... 

A caixa de mensagem de voz inicia e nervosa finalizo a chamada. Abro o whatsapp, mando uma mensagem direta e simples: "ocupado?". Em outro horário eu não me incomodaria, mas às nove da noite não me atender? Me soa estranho.

Insisto mais uma vez e não obtenho nenhuma resposta. Os '"tu-tus" parecem o tiquetaquear do relógio quando estou de enxaqueca. Entram por um ouvido, tilintam no cérebro e vibram corpo adentro. "Mas que merda!", xingo antes de mandar outra mensagem.

"Por quê você não me atende?" 

Última visualização no Whatsapp e no Messenger checadas. Às seis e pouco da tarde, ele mandou um vídeo privado pelo Snapchat fazendo graça da blusa furada que ele usou para ir trabalhar. O Foursquare indica que ele saiu da firma às sete horas como de costume. No Instagram, nenhuma foto ou marcação nos últimos dois dias. Por sinal, reparo que nossa última foto foi bem curtida tanto lá quanto no Facebook.

Procuro indícios se ele está bem ou se... São tantos "se's". Tento não pensar o pior, mas tudo me leva a supor asneiras. Acho que, no final das contas, essas tranqueiras - ou redes sociais, como preferir - ajudam a alimentar os monstrinhos que vivem dentro de nós e sequer percebemos. 

Lá estão todos eles: o monstrinho da vaidade, do egoísmo, da raiva e da autoafirmação. À revelia nos sujeitamos à ilusão, à culpa e ao medo do fracasso. Porque como nem tudo são flores, se nos expomos, estamos suscetíveis aos seus ditos danos. 

E, o ego, ah... Tão mesquinho que acaba incrustando na gente todos os seus medinhos. A insegurança vai tomando forma em mim. O tico e o teco já cogitam ciúme à vista. Eu quero mais é que ele me dê satisfações do que está fazendo, esbravejo. 

Numa última tentativa, o tuuu... ressoa longo e alto novamente. Ao segundo toque, lá do outro lado, ele me atende aturdido dizendo: "calma, amor! Só me reencontrei com um amigo e esqueci de avisar. Aliás, isso faz falta no dia a dia, sabe... Reencontrar sem marcar, estar presente e se desligar". 

É, faz falta. E depois dessa chapuletada eu penso no quanto estou medindo a minha vida, as minhas reações e relações por aquele ínfimo fio de tecnologia. 
Crônica escrita para a disciplina de Webjornalismo, com a temática "atualidade e hiperconectividade". 

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